sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

sábado, 18 de dezembro de 2010

A grama do vizinho

A grama ficou bem cortada.
Pois é, também gostei.
Eu estava sendo irônico!
E eu quero que você morra!
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A grama ficou bem cortada.
Pois é, também gostei.
Eu estava sendo irônico!
EU estava sendo irônico...
....................................................................................

A grama ficou bem cortada.
Pois é, também gostei.
Eu estava sendo irônico!
Eu estava na puta que te pariu.


A grama do vizinho 18/10/2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Espada e Broquel

No campo de batalhas reservado apenas para os maiores heróis do mundo estavam frente a frente justamente os dois mais.
Ao fundo trovoes urravam de medo do que poderia resultar daquela tão épica luta. O vento soprava forte e temeroso, arrancando as arvores da colina. O ar se tornava rarefeito. A gravidade na inútil tentativa de parar o confronto dos dois mais fortes seres do mundo... Do universo, agora se fazia mais pesada.
-Prepare-se para sua primeira derrota, pois eu, o grande herói Zargaram sou seu desafiante – e fez Zargaram uma longa pose, regada de voltas, pulos e gritos mostrando suas habilidades.
-Calado! Pois eu sou o gigante herói Gamenom, ninguém pode vencer-me.
-Então eu sou o invencível Zargaram, filho do Deus Fogo!
-Então eu sou o perfeito, supremo e invencível, infinitamente Deus do Fogo, Gamenom.
-Hey! Estava combinado, nenhum de nós seria Deus de nada! – disse Zargaram cruzado os braços em gesto de reprovação.
-A culpa não é minha se você é fraco. Pobre mortal! – e fez Gamenom, a pulos e gestos descompassados sua pose de luta aos sons de “IÁ”.
O clima ficou tenso. Zargaram com fúria pegou sua espada e com agilidade sobrenatural que só um herói tem foi ao encontro do inimigo.
-Então sinta o poder de Zargaram, O DEUS DO RAIOOOOOOOOOOO!
-Ahhhhh! Mãe!
O golpe foi certeiro, a espada destruiu o escudo de Gamenom e pegou seu braço. Gamenom, o perfeito Deus do Fogo sentindo dor gritava, berrava, chorava. Sua força se esvaiu e até Zargaram em desespero urrava.
-Ahhh! Socorro! Socorro!
-Mãe! Meu braço!
-Tia, o braço!
-Ahhh!
-Ahhh!

(...)

Em três meses Gamenom já estava com o osso cicatrizado, agora, com sua espada de madeira lutava apenas contra inimigos imateriais. Isso evitaria aborrecimentos. Para o caso de novas brigas ficou convencionado que se descobririam irmãos gêmeos, DE FORÇAS IGUAIS, filhos dos antigos e falecidos Deuses supremos.
As mães prefiriam assim.


Espada e Broquel 29/10/2010

domingo, 17 de outubro de 2010

Amor

Não há lugar para mim na terra, meu amor, minha vida, meus sonhos e ilusões estão em algum outro lugar, talvez em algum planeta distante, quem sabe meu amor não more no asteróide B612... Ou quem sabe meu amor não tenha casa, se meu amor vaga pelo universo eu serei obrigado a vagar também, até encontrá-lo, e quando isso acontecer, será lindo, eu encontrarei minha alma gêmea, e serei metade homem e metade universo, e o Nada e o Vazio, essas duas entidades nos casará, terei em meu casamento a bênção de Ninguém, e serei feliz, minha alma gêmea e eu continuaremos andando pelo tudo, buscando o nada, sempre a caminho da estrela mais distante, meu amor me mostrará o universo, e dirá que sempre me procurou, assim como eu sempre o procurei, e teremos a eternidade para nos amar, pois a estrela mais distante está depois do infinito, talvez até depois do próprio universo, e pela primeira vez na vida mesmo com tanto preto, minha cor preferida será o branco, e o preto imutável do universo se tornará branco para nos fazer ainda mais felizes, e a felicidade será branco, e eu e meu amor seremos branco, e a vida deixará de ser vida para ser branco...


Amor 02/08/07

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A mágica história de um longínquo povoado chamado Maná

No meio do nada, esquecida do mundo, existia uma vila. Maná, litorânea, cheirava a água salgada e peixe podre, suas areias eram tão inférteis que pouca coisa conseguia nascer na vila, algumas gramíneas e arbustos que quebraram a barreira da não-vida cresceram isoladas em distantes pontos e eram vistas com admiração pela população de lá, pois o verde mesmo que descorado, sem força, é algo extraordinariamente raro nesse local. O mais velho habitante de Maná, que não era o seu fundador, diz não se recordar de um único dia em que a nebulosidade o permitiu ver algo ao longe, ou que o deixou contemplar o sol. –Depois das ultimas casa vem à névoa, para cima só há névoa, nos pés existe areia e depois de poucos metros de mar volta à névoa. Fomos engolidos, essa é a verdade.
Os dias se arrastam em Maná, Julião há muito perdera também a noção do tempo, até onde se lembra está na vila a sete anos, mais uma eternidade que não foi contada –Não duvido que esteja aqui a mais de dois séculos – Nenhum outro habitante acredita nisso, mas todos sabem que não sabem das horas. Em Maná o calor é grande o tempo todo, não existe outono, inverno e principalmente primavera, o verão ainda não acabou.
A pesca é o meio de sobrevivência, mas os peixes são tão poucos que os habitantes já se acostumaram com um pouco de fome. Comer é terrível em Maná, só peixes fazem parte do cardápio, peixe, peixe, peixe, peixe, dariam a alma por um suculento bife, um tomate ou mesmo um jiló velho que não lembrasse aquele mar sem vida. Pouca coisa restava para fazer. Os idosos sem saúde eram alimentados quando sobrava alguma coisa das refeições, os preguiçosos simplesmente não comiam e as poucas prostitutas trocavam uma noite de sexo por meio pescado.
Erasmo era casado, se apaixonou por sua esposa no dia em que a viu ainda inconsciente, como todo novo habitante de Maná Julia chegou arrastada pela maré, vinda de algum lugar, assim como Erasmo, Julião ou qualquer outro. Tinha cabelos escuros, nariz fino, olhos castanhos claro, algo em torno de um metro e sessenta e quatro, corpo magro, pele macia embora as primeiras rugas começassem a aflorar, sua aparência dizia ter uns trinta e cinco anos. No dia em que ela chegou Erasmo se apaixonou e temeu que aquele corpo estivesse morto, levaram duas horas para reanimá-la. Embora ninguém nunca tenha morrido na vila, assim como chegam os habitantes afogados, chegam também corpos mortos, que são jogados de volta para o mar.
Por habilidade e ociosidade o velho Raul forjou em conchas todas as peças do dominó e passava os dias jogando (sempre ganhando) com os outros moradores, contando grandiosas mentiras como a velha história do dia em que conheceu um homem que amava os escorpiões e tomava feliz o veneno dos bichos para purificar o sangue, se aproximando de sua essência divina, ele tinha uma incubadora cheia de ovos de crianças venenosas e dizia que elas dominariam o mundo. Erasmo era o maior fã das histórias do ancião, mas o motivo maior que o levava as jogatinas era o orgulho, depois de tantas perdas jurou ganhar ao menos uma partida que fosse, Raul se aproveitando disso propôs uma aposta, se ganhasse ele diria sua estratégia, e uma vez por visita ao mar o pobre pescador acabava por perder meio peixe fétido.
Perto da casa das prostitutas, um cubículo de cinco por cinco com alguns colchões espalhados, a gritaria era constante, pelos urros dos homens sedentos, mas principalmente pela fome da Clotilde, uma gorda cozinheira que enlouquecera no vilarejo, gritava e andava, andava tanto pelas proximidades do “cabaré” que ganhou uma terceira perna para melhor se movimentar. Quanto às prostitutas, seis, viviam sempre peladas, e como a casa não tinha divisão alguma, enquanto uma trabalhava as outras assistiam. Elas sempre dividiam o pagamento, não se importando se alguma foi mais ou menos escolhida, sempre havia peixe para todas.
Gomez, de espírito inquieto, um dia juntou suas coisas em uma pequena sacola e saiu da vila, em aventura pela névoa por algumas horas ou alguns anos, difícil dizer, o certo é que um dia voltou com os olhos arregalados e dizendo que fez o caminho reto o tempo todo. Na segunda tentativa apareceu boiando pela água, afirmou mais uma vez ter feito o caminho reto, encontrou um grande mar, atreveu-se a trespassá-lo a nado, e foi atacado por um grande monstro de olhos amarelos. Depois de duas tentativas ele desistiu, o resto da população que já estava conformada afundou de vez as suas raízes.
–Julia. Estou indo conversar com o velho Raul.
–Conversar, levando peixe? Você vai perder novamente, ele é imbatível. Deixe disso querido, tanto trabalho para pescá-lo e você vai entregar para alimentar aquele desocupado?
–É uma questão de honra, meu amor. Além do mais, gosto das histórias dele.
–Um monte de lorotas.
E saiu confiante, rumo ao centro do vilarejo, onde deveria existir uma praça.
Avistando o centro Erasmo viu um tumulto, imediatamente imaginou ser mais um corpo vindo do mar, continuou calmo andando sem alarme. Mais perto do bolo humano alguém tirou de assalto o peixe de sua mão e jogou a frente.
–Que merda é essa? Como fazem isso comigo?
–Fique quieto Erasmo, eles disseram ter fome e não sabemos do que são capazes. Se quiser tentar conversar, só o Carlos está disposto, mas não quer ir sozinho.
Erasmo abriu espaço em meio às pessoas, afinal, o que são “eles”? Andando um pouco viu Carlos relutante e um grupo de sete esqueletos alados, todos de ouro e com belos olhos roxos.
–Carlos, que inferno é eles, me disseram que estão com fome.
–Chegaram do céu a pouco, pousaram aqui e esperam pacientemente pelo representante do vilarejo, dizem ter fome e não querem nada de graça, propõem trocas.
Médico da cidade, freqüentador assíduo do cabaré, estimado por todos, Carlos goza de grande prestigio, sabe das angustias de qualquer habitante. Nunca cobra por consultas e por isso ganha sempre os melhores peixes.
–Nunca tivemos um representante, chamamos Julião, mas o coitado se borrou ao ver esses seres magníficos, quer ir comigo?
–Vamos, espero que tudo dê certo.
E andaram na direção dos esqueletos de ouro.
–São vocês os representantes do vilarejo? – Perguntou o maior dos seres, que parecia ser o líder do grupo.
–Pode se dizer que sim – Disse Carlos –Exponha seus problemas.
–Como dito antes, temos fome. Estamos voando a muito e achamos esse lugar como que por milagre, então viemos pedir a vocês que nos conceda as delicias de seus mares, podemos trocar, trouxemos algumas coisas que talvez possam ser úteis a sua gente.
–De quanto peixe precisam? Querem que pesquemos para vocês? – Foi a vez de Erasmo se manifestar –Pois peixe é tudo o que temos a oferecer, infelizmente nossa terra não é fértil.
–Precisamos do suficiente para matar a nossa fome, nem mais nem menos. Não queremos importunar, pescaremos nós mesmos.
–Consentimos. Peguem os peixes, mas antes mostrem o que tem a nos oferecer.
O líder arrancou o dedo médio, que cresceu e cresceu, e ofereceu a Carlos e Erasmo uma quantidade enorme de ouro puro. Mas o que iriam fazer os habitantes de Maná com ouro? Perguntaram se havia outra coisa a ser oferecida. O membro diminuiu até voltar ao tamanho natural, a caveira colocou ele no lugar. Tirou da sacola que carregava duas caixas ornamentadas com muitos cristais, abriu a primeira, vazia, quando abriu a segunda um arco-íris se formou, começando em uma caixa e acabando em outra,quanto mais eram afastadas as caixas maior ficava o semi circulo. Formaram uma conferencia. Muito bonito, mas talvez houvesse algo de mais útil. Refutado a anterior as caveiras choraram, as lágrimas perfumadas fizeram com que Maná não cheirasse a peixe podre. Nova conferencia e nova negação. O esqueleto desembainhou a espada, apontou para o nada e cortou o ar, uma fenda foi aberta e sangue escorreu no chão rumo ao mar deixando a água vermelha. Dessa vez não houve reunião alguma, um mar de sangue era absurdo, em pouco tempo o liquido do ar estancou e sumiu.
–Percebi enfim que nossos gostos são diferentes, então proponha algo que para vocês deve ser bom e para nós é inútil – Disse a caveira, tirando do mesmo saco em que havia guardado as duas caixas, um punhado de sementes –Você, homem, disse que o chão é infértil, pois bem, essas sementes germinam em qualquer lugar, dão grandes frutos doces, não comemos nada doce.
Desta vez a reunião de Carlos e Erasmo com o resto da vila foi mais duradoura. Alguns poucos ainda insistiam no arco-íris ou no perfume, porém a fome foi maior, a expectativa de que as plantas realmente germinassem era sedutora.
–Queremos as sementes
–Façam então bom proveito, agradeço a paciência que tiveram comigo e com meus irmãos. Vamos pescar agora, logo em seguida sairemos de seu território.
Bateram as asas de ossos e foram na direção do azul, lá ficaram pegando peixes com uma habilidade tão grande que fez muitos da vila desejar um par daqueles dourados membros voadores. Carlos voltou com o saco com sementes comemorando e discutindo onde seriam plantadas. Erasmo parado contemplava a estranha pesca, e mais uma vez teve a incerteza se lá esteve observando a movimentação esquelética daquele estranho povo por algumas horas ou por alguns anos. Quando se virou para ir embora algo refletiu em seu rosto, voltou para averiguar o que era e percebeu-se em frente a um olho roxo, com certeza caída de qualquer das sete criaturas. O estranho objeto ficaria em seus cuidados até o dia em que voltassem, pois não estavam mais nas proximidades, não estavam mais em lugar algum.
Na volta para sua casa se surpreendeu. Toda a população de Maná de cara triste e as arvores já com uns trinta centímetros.
–Como você consegue ficar tanto tempo parado? Ah, malditas caveiras, levaram embora todos os nossos peixes – Lamentava Julião com a mais profunda delosalação até então vista em Maná –Eles de fato cumpriram com o acordo, as arvores estão crescendo, mesmo nesta terra de bosta que é a nossa, mas temos fome e elas ainda estão pequenas, parece fazer séculos que não me alimento.
–Acabaram os peixes?
–Em que mundo você vive, Erasmo?
Julião saiu amaldiçoando o mundo.
Chegando a casa percebeu Julia na cama, com cara de desgosto, as mãos na barriga denunciavam a imensa fome que sentia.
–Por que demorou tanto, meu amor? Estava tentando arrumar algo para nós? Você é tão bom, Erasmo, ainda procurando peixes. Mas venha aqui, deite-se na cama comigo, que agora eu quero você, talvez até distraímos nossa fome.
E se amaram longamente na cama, Julia com tanta fome, tanta vontade, que no momento do gozo lhe mordeu a nuca tirando sangue. Diminuíram as movimentações, cessaram as caricias, restou apenas um sorriso de satisfação, no rosto a certeza do dever bem cumprido.
–De onde vem esse cheiro? – E olhando para o lado percebeu o olho roxo que chorava, talvez pela emoção da cena vista, talvez pela tristeza de estar longe do corpo. Ela pegou o olho na mão e se deliciou, era lindo poder disfarçar o cheiro de peixe podre, ainda mais agora, que nem peixe havia –Amor, que presente lindo você trouxe para mim, agora vou estar perfumada onde quer que eu vá – Pegou agulha e linha, trespassou o globo que lacrimejou ainda mais e fez dele um colar.
Observando seu novo presente percebeu que se cutucado ele voltava a chorar. Agora Julia era a mais ilustre cidadã de Maná. A casa dos dois passou a ser freqüentada por todos os que queriam fugir um pouco do horrível cheiro da vila. Raul ia todo o dia a casa com o pretexto de jogar dominó com Erasmo. Carlos passou a se preocupar em demasia com a saúde do casal. Até as seis prostitutas saiam do cabaré, nuas, oferecer seus serviços aos dois em troca do cheiro bom.

(...)

Disso parece ter passado algum tempo, difícil precisar, o certo é que a população não se agüentava de fome e as primeiras frutas começavam a se formar, embora minúsculas, e talvez ainda azedas pela prematuridade, já eram visíveis. As arvores estavam com, em média, cinco metros e boa sombra, algumas pessoas esperavam pacientemente, imóveis de baixo dos frutos, que estivessem bons para o consumo, primeiro para serem os primeiros a comer e depois para que ninguém estragasse o alimento. A expectativa era tão grande para os guardas que, como hipnotizados, amenizavam a própria fome.
Nisso, espaçados, já tinham chego mais quatro habitantes, duas lindas irmãs, um velho acinzentado e Laica, a cachorra.
Quando Laica chegou logo se fez uma multidão em volta dela, nunca havia aparecido um animal antes. Algumas pessoas pensavam em comer sua carne, mas Caramelo foi reanimada. Julião, na autoridade de mais velho membro de Maná nomeou-a com o que achou conveniente, Caramelo pela cor, mas suas vistas cansadas não perceberam que o forte e viril Caramelo era na verdade uma doce fêmea. Passou a andar feliz pelas ruas, sempre brincando com as pessoas. Certa vez, no colo de uma moça jovem esta disse –Tão bonita a Caramelo, bem que poderia estar prenha e dar mais cachorrinhos para animar esse lugar horrível – Uma das gêmeas retrucou –Engravidar? De quem? De quê? E parem com isso de Caramelo! Caramelo é nome de cão, não de cachorra. Caramelo tem é cara de Laica, cachorra estrela de cinema – E assim ficou. Sobrando apenas uma crise de identidade no pobre animal.
Como em todos, a fome bateu também em Laica, que se tornou agressiva, corria atrás de todos, porém adorava principalmente a suculenta e gorda carne louca de Clotilde, que agora não tinha mais paz. Tentou certa vez comer a cachorra, mas foi quase comida, pegou medo e fugiu. Agora sempre foge, e de tão longo tempo sem dormir, nasceu nela uma segunda e louca cabeça, enquanto uma corria e gritava, a outra dormia todo o sono acumulado.

(...)

E ficaram prontas as frutas, a cidade se reuniu em festa, todos sentados no chão do centro da cidade, onde deveria existir uma praça, foram contados os habitantes e as frutas, foram excluídas Clotilde e Laica. Três frutas e meia para cada morador, o mais importante era, de modo algum engolir qualquer semente, elas sim, em Maná, valiam mais que qualquer metal precioso. Todos comeram tão rápido que ninguém soube dizer qual era o sabor da fruta dourada, nem ao menos se era boa ou ruim. Só depois da refeição que abriram as comemorações, os discursos. Julião falava com a animação de um prefeito, do privilégio de ser o primeiro-habitante-quase-fundador-de-Maná, esta terra santa. E falava um, dois, cantavam e dançavam, batiam palmas, explodiam raios em cabeças.
O ultimo acontecimento veio de longe. BUM e BUM. Ninguém entendeu o ocorrido, pararam assustados e ainda sorridentes, olharam para o lado do estrondo e dois corpos voaram em direção a multidão. Ainda fumegando Clotilde caiu no chão, carbonizada. Laica bateu com força na cabeça de um homem, foi tão violento o impacto que a cachorra se partiu em duas e o homem sangrando desmaiou. Em volta da multidão o cheiro de perfume se confundia com o de fumaça, rápido sete fagulhas brilhantes ganharam corpo.
–Malditos, tínhamos um acordo e vocês nos roubaram! – Disse uma das caveiras brilhando tão intensamente que foi difícil perceber que lhe faltava um olho roxo.
–Acalme-se meu irmão, eles vão ter o que merecem – Disse a caveira alada maior, dessa vez vestida de uma negra armadura cheia de pontas que gotejavam veneno e feriam de sangue o solo –Um acordo digno tínhamos com os habitantes desse lugar, mas vocês – E apontou para Carlos e Erasmo –Tomaram o olho do meu irmão. Torturaram-no trespassando ferros e lhe danificando a vista.
E de fato embora ainda exalasse um bom cheiro o olho já estava todo murcho.
Erasmo correu e pegou o olho do colar de Julia, tirou a linha que o atravessava e entregou a caveira peçonhenta – Quando vocês saíram o olho estava no chão. Guardei-o durante muito tempo, mas como vocês não voltavam acabamos por feri-lo para tirar o cheiro, sem saber que isso feria a vocês também.
–Muito tempo? Você acha que se passou muito tempo? – Disse a caveira chefe brilhando –E isso te daria o direito de torturar, cegar um de nós? – O brilho agora era tão intenso que as pessoas da vila se viraram para não queimarem a vista.
–Tudo bem, me castiguem, mas deixem o resto em paz. Eles não têm nada a ver com tudo isso.
–Não! Meu irmão quer a torturadora – E apontou para Julia.
Não houve tempo de reação, quando Erasmo abriu a boca foi jogado no mar.
Segue aqui passagens odiosas de todo o acontecimento. Só consigo dizer que arrancaram a ossos o olho direito de Julia, os habitantes de Maná não se aguentaram com os outros acontecimentos, aos poucos desmaiaram de ver tamanho horror, tão cedo que o mais resistente homem não viu um décimo do que se passou. Muitos nunca mais dormiram. Pela primeira vez choveu no lugar, chuva salgada, eram as lágrimas do mundo. Quando Erasmo voltou a praia, com litros de água no pulmão, assistiu sua esposa cinza, com veias verdes saltadas, bocas o olhos bem abertos, mãos torcidas na mais forte expressão de dor já vista em qualquer mundo, em qualquer tempo. Ninguem nunca foi capaz de relatar as atrocidades vistas.
Enquanto Erasmo nadava sem rumo à procura de Maná, à procura de Julia, mais coisas aconteceram. As caveiras destruíram todas as casas, queimaram as arvores e as sementes, exigiram contribuições de sangue a todos os moradores. De tempo em tempo cortavam os pulsos de alguns e tomavam seu sangue, os mais fracos também tombaram, os corpos eram jogados em um canto qualquer. Até que saciaram, acalmaram a raiva e foram embora.
Com a chegada de Erasmo Veio junto à segunda chuva em Maná. Chuva que nunca mais cessou. Usaram pedaços de madeiras das casas e fizeram buracos na areia, usaram o sangue dos vivos para escrever na madeira, os mortos daquele lugar morto mereciam uma ultima homenagem.
Na lapide de Laica havia algo como “Uma boa e faminta amiga”, ao lado dela, Clotilde, “Uma faminta” outra mulher que em vida tinha ares de religiosa e pereceu nos ossos das caveiras “Junta de seu deus”, um morador com sonhos de escritor “Nem parece que o acontecido aconteceu...”, um lenhador “Voltamos sempre às raízes”, e Julia “A mais perfumada flor”.

(...)

Não restou uma casa, um peixe, uma fruta ou uma alegria em Maná. A chuva caía eternamente e de tempos em tempos os mortos se levantavam. Isso não resolvia, mas acalmava a dor de todos. Julia, cinza, perfumava o pequeno mundinho e consolava com palavras de carinho o marido. Laica latia e brincava com as gêmeas e mais todos que gostavam de animais. Clotilde, lúcida, abraçava os cidadãos como uma mãe de coração enorme faz com todos os filhos, a religiosa rezava pelo bem de todos, uma luz quente quase era capaz de ser sentida, o lenhador caminhava e por onde passava arvores fictícias nasciam da areia, o escrito, parado num canto, avulso de tudo chorava e escrevia os mais belos contos. Depois eles voltavam a descansar. Toda a população sentava no centro da cidade, onde nunca existiu uma praça, e soluçavam de dor. Eternamente. Os papeis do escritor eram destruídos pela chuva.


A mágica história de um longínquo povoado chamado Maná setembro/outubro 2010

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Breves, Dramáticos, Intensos e Bobos 2

...
...
Preciso mesmo me submeter a isso?
...
Você sabe do quanto carinho eu lhe tenho, não seja má!
...
Maldita aposta! Okay. Se for para ficarmos juntos e para você voltar a falar comigo, lhe beijarei os pés.
...
...
...
Pronto minha amada! Agora ficaremos juntos! Que aleg...
Não!

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Então se sabe me diga o sentido da vida!
Nunca te direi o sentido da vida.
Então o sentido da vida é nunca me dizer o sentido da vida!
Não foi isso que eu disse.
Então você não sabe qual é o sentido da vida!
Claro que sei qual é o sentido da vida.
Então se sabe me diga qual o sentido da vida!

...até o fim da vida...


Breves, Dramáticos, Intensos e Bobos 2 17/09/2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Breves, Dramáticos, Intensos e Bobos

-Okay. Vá embora! Eu ficarei aqui jogado às traças nesse canto escuro e sujo, esperando pacientemente pela sua volta, ou pela morte, pois suponho que você não volte mais! Vá, que agora eu quero ficar nesse leito pequeno e frio, vou refletir sobre minha vida, sobre o meu ser... E fechando meus olhos buscarei no fundo de minha alma uma luz nesse mar negro de agonia, a luz dirá: Só aprendemos quando existimos, e você já conhece o suficiente... Não tenho certeza se da próxima vez q abrir meus olhos as coisas ainda serão as mesmas. E a culpa é sua!
-Tudo bem meu filho, você venceu. Eu fico aqui na clinica dentária te esperando.

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-Por mais que eu queira fugir, meus olhos correm até você, sua beleza asiática me dominou por completo. Não pertenço mais a mim! Serei seu pelo resto de minha vida, grudarei em você, serei você. E se você não me quiser, pedirei à morte que me fumine com a mais bela estrela, digna do tamanho do meu sofrimento, caindo em minha cabeç...
-Ta bom cara, eu te dou os 15% de desconto!


Breves, Dramáticos, Intensos e Bobos 20/07/2008

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Asiático

–Esta história ocorreu a pouco, mostra bem a verdadeira natureza dela, se a conto agora é porque poderia ter ocorrido em sonhos, há usarei um dia para inspirar alguém.
Férias de fim de ano, uma festa de dois, três meses para esses mais endinheirados. Muitos se ocupam de conhecer as belezas que lhe são possíveis, mal sabem que esse mundo aos poucos se corrói, esgota, e que a verdade é sempre maior.
Um Asiático saiu de sua cidade e resolveu se aventurar em terras desconhecidas, e escolheu uma dessas famosas cidades litorâneas e tropicais, vivas e belas, que não me preocupo em afirmar qual seja. Antes de Babel a vida sem dúvidas era mais fácil, essa coisa de língua é mesmo muito complicada, digo isso porque, tal como me foi contada aqui eu repasso, o Asiático não falava o idioma do lugar em que estava, ao que me parece ele comprou um desses famosos pacotes de viagem, mas isso, creio eu, não é uma informação relevante.
Dia desses estava aquele a fotografar como louco todos os belos cantos da cidade, dizem que os homens perderam a memória, só se lembram da vida por foto, quando viu uma cena que o interessou, e acabou por interessar ela também. Vestida como uma linda gata preta do mais alto padrão estava ela, rodeando um menino de rua, desses sem pai nem mãe, percebendo as lentes em cima dele ela resolveu se mostrar, e ficou por lá, como que brincando junto ao pobre menino. O mais pobre dos meninos pareceu se tornar dono da mais linda gata negra, e o Asiático se deliciava com tão diferente situação.
Uma cobra seria menos venenosa, embora seja das melhores amizades de que disponho, é preciso dizer a verdade, dificilmente nutre simpatia pelas pessoas, tomando quase sempre gosto por diversões cruéis. De forma misteriosa que só a nós é entendível colocou planos na cabeça do pobre menino pobre, e de repente saiu ele com uma carteira que não lhe pertencia. Malvada ela, isso só para circular o garoto fazendo-o cair, dando tempo a policia para chegar até o pequeno. Seus olhos brilhavam quando me contava sobre as cacetadas que sofria o menino esfarrapado, levaram depois ele para uma guarita, vai saber o que se passou por lá. E ficou só ela, se mostrando em sua graciosidade plena, com ares de abandonada, apenas para o Asiático. Fantasiada de mulher surtiria menos efeito, de um lado ao outro, cogita ela que gastou um filme inteiro com ângulos do chão, de paredes... Quando cansou, pulou nas costas de outro transeunte só para derrubá-lo, sangrou esse e correu rumo ao nada. Coitado do Asiático deve ter ficado sem saber do porque ninguém mais reparava na gata.
Sossegou da sua vítima por alguns dias, até descobrir sobre o bom passeio. Essa coisa chamada turista se encanta com tudo, a ponto de embriagar-se com paisagens triviais e não medir esforços para chegar a certos lugares. Foi o Asiático com um grupo de amigos que também não falavam o idioma do local ver um jogo clássico de futebol, estádio lotado, milhares de pessoas amando e odiando ao mesmo tempo. As pessoas conseguem ser tão voláteis...
No meio da multidão de torcedores estava ele, apreciando outro evento cultural, e ela, víbora, apareceu com o intuito de confundir. Pomposa se exibia e o arrastava para longe, quando deu se conta já estava do outro lado do estádio, viram animais irracionais por motivos irrelevantes os dessa raça, Asiático de preto e vermelho junto a uma multidão branca e verde... E um gol a seu desfavor. Toda a torcida rival o olhava com ódio, rápido percebeu que deveria sair.
Quando começou o caminho para o lado oposto do estádio, vigiado por uma massa hostil ela enfim lhe revelou a natureza, fe-lo pisar em falso e cair em cima de três ou quatro brutamontes que logo em seguida viraram dez ou vinte, que logo em seguida eram incontáveis, incontroláveis
A bagunça fora enorme meu amigo. Policiais tentaram parar e foram parados, em pouco tempo a briga chegou ao outro lado, desceu para o campo, subiu para as ruas. Mas essa parte é mais bem explicada nos noticiários.
Fortuna leva homens à loucura disfarçando de bom os maus caminhos, às vezes acaba sendo mais direta como nesse caso. Difícil, muito difícil mesmo alguém que a agrade a ponto de ter a vida facilitada.
Como dito antes, gostei dessa história, por isso a tomei para mim, quero usá-la, dá um bom pesadelo, concorda? Hã? Já dormindo?


O Asiático 23/08/2010

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Colasanti

Anos e mais anos de vida podem sujar uma pessoa, fazer da alma algo escuro e denso. Um dia ele acordou se sentindo debilitado, foi ao médico que lhe disse estar envenenado, e distribuiu um coquetel de remédios que deviam ser tomados diariamente, resolver não resolvia, mas poderia limpar um pouco suas entranhas.
Chegou em casa assustado, os preços de todos os medicamentos eram enormes, resolveu então se submeter a uma terapia alternativa. Comprou duas garrafas de bebida destilada e as esvaziou para dentro, passou muito mal e gorfou, jogou para fora os primeiros palavrões da infância...
No segundo dia, depois de jantar, recomeçou o tratamento, da mesma maneira, quando vomitou, junto com o arroz saíram as mágoas que tinha quanto ao pai. E seguiu diariamente expurgando suas dores, seus ressentimento, durante todo o inverno foi assim.
Terminando o terceiro mês brotaram as flores, ele percebeu que há alguns dias regurgitava apenas álcool, se sentia bem, mas continuou o tratamento. Embora tivesse de volta a alma tranquila, tornara-se alcoólatra.


Colasanti 07/09/2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Bucólica

–Mas senhor! Eu tenho família e só a terra é nosso sustento. O que posso fazer com tão pouco dinheiro?
E se ouviu um tapa ardido e alto, tão alto que os pássaros das arvores próximas fugiram.
Numa região não distante a cidade havia uma concentração de pequenos agricultores. Quarenta famílias que ocupavam as terras do estado. Quase todos trabalhavam com a horticultura e vendiam suas produções para atravessadores que lucravam absurdamente nas costas desses homens. Os moradores tinham consciência da situação, mas foram repelidos quando tentaram se organizar e vender diretamente os bens da terra. Estado, policia, nada existe para eles, ou melhor, existe, e são inimigos.
–Você acha que eu me importo? –Gritou o homem alto e forte que desferiu o tapa na cara do segundo – Você acha que alguém se importa? A empresa comprou essas terras, nem direito a isso vocês tem. Amanhã as seis as casas vão ser derrubadas, o dinheiro está aqui, e se quiserem ficar aí dentro, que morram!
Foi sendo entregue para cada família um valor de mil e quinhentos reais. Mães, pais e filhos choravam, ninguém tinha certeza da legitimidade do contrato de venda da terra, mas que fazer? Sabiam os moradores que o futuro só tinha a piorar, agora restava procurar outras terras perto da cidade e recomeçar o trabalho com a horticultura, ou tentar algo mais incerto ainda na cidade.
Saíram em cinco carros vinte pessoas bem vestidas e só ficaram os moradores do local, homens do campo esquecidos pela sociedade. O clima era pesado, os soluços chorosos se confundiam com o cantar dos pássaros que haviam voltado as arvores e o latido dos cachorros que, ingenuamente, seguiam os carros na maior das festas.
O projeto era magnífico, o slogam “Trazemos progresso” parecia um golpe de mestre. Um condomínio horizontal, com casas de no mínimo trezentos e cinquenta mil, mercado, clube, campo de golfe, lago artificial. Um pedaço do paraíso a disposição de quem pudesse pagar. O metro quadrado da terra, estimavam, valorizaria pouco mais de trezentos por cento.
Essa terra era usada pelos primeiros horticultores, que sempre lutaram para ter a posse legal dela, a mais de duas décadas. Entra e sai ano as promessas foram sempre as mesmas, levaram trabalhadores honestos na lábia até que enfim algo realmente lucrativo apareceu.
Nove da noite e o clima era de luto, as trevas poucas vezes mereceram tanto esse nome, chegaram três representantes de duas vilas rurais também irregulares oferecendo ajuda com transporte das cargas aos moradores, alguns iriam viver nessas outras vilas, alguns iriam se arriscar a tentar algo novo em outros terrenos desabitados em volta da cidade, quatro famílias tentariam a sorte na cidade. Em volta de uma fogueira a ultima reunião foi feita, a maior parte das crianças dormiam quase avulsas ao que se passava. Alguns habitantes que pensavam em resistir foram desmotivados pelo bom senso, ninguém se importava com eles, ao menos ninguém que tivesse realmente o poder de protegê-los, e em uma situação como essa não é preciso muito para levar um tiro na cabeça.
Alguns poucos já haviam vivido situação mais tensa, enfrentaram despejos violentos com policia de arma e lei em mãos. Ficaram a madrugada de vigília, pois sabiam que se aparecesse alguém desconhecido os riscos seriam enormes.
Só dormiam felizes os novinhos, que ainda não tiveram a obrigação de precocemente crescer, e eram eles os maiores temores das mães. Correu a madrugada lenta e aflita, sufocante. O cantar dos grilos junto com o das corujas era uma constante, as vezes um ou outro cão despertava. De certa forma correu bem a noite.
–Cinco da manhã. Chegaram.
Dessa vez não apenas cinco carros eram vários, também caminhões e tratores. Cinco da manhã e também já estavam de pé todos os moradores com suas sacolas, terminavam o pobre café matinal às pressas, intimidados alguns começaram a sair uma hora antes do curto prazo.
Uma placa começava a ser levantada, diria algo como “Futuro condomínio X”.
–Já vamos saindo. Espero que façam o pior proveito possível da nossa terra –Disse o homem que na tarde anterior levou um tapa na cara.
Assim que começaram a se recolher fez-se o som das máquinas, um trator ia em direção à primeira casa, mais uma vez os pássaros da proximidade voaram.
Das crianças aos velhos o sentimento era o mesmo, os mais fortes se desfazem da armadura e choravam, choravam como crianças recém nascida, e todos consolavam uns aos outros, e caminhavam, e caminhavam, e caminhavam, e caminhavam...


Bucólica 20/08/2010

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Herói tombado

Ao fundo fala a professorinha:
Blá, blá, blá, blá, o céu deveria ser verde e as pessoas terem rabos...
Inventando as palavras da professorinha, Mateos, afastado dos demais, rabiscava algo aparentemente sem sentido e divertia-se vendo seus colegas de classe todos fantasiados, de foca a extraterrestre. Seus olhos modificavam as cores e contornos da chamada vida real. Só a professorinha se mantinha intacta, sem necessidades de reparos, só a professorinha era perfeição.
Andando pelo chão roxo, com seu belo sorriso ela distribuía atenção, amor, a todos os robôs, hipopótamos e dragões da sala, em sua infinita bondade ela era cordial até mesmo com o chato do abajur quebrado.
Chegam às férias e é bom passar mais tempo com papai gigante, mamãe princesa e até mesmo com a maninha (que chora demais para um ovo, mas ainda assim é um amor).
Passeiam à casa de campo da tia Pardal, uma velha sem graça que faz bolos deliciosos. Na casa de campo há muito espaço, mas dificilmente Mateos fica longe dos olhos dos mais velhos, isso o desagrada, ele queria voar sem incômodos.
E vai ao parque, vê os primos, nada na piscina, nada longamente na piscina, cria histórias sobre o submundo das formigas... Ocupa a cabeça, pois são três meses e é triste a distância da professorinha. Pré um, dois e três se fizeram ao seu lado.
Enfim voltam as aulas, momento novo na vida de Mateos. Ele cogita mudar de nome, de aparência... Melhor não. Possível que a professorinha não o reconhecesse, então ele só mudou de leve sua cor.
A escolinha nova era feia, bem feia, alguns retoques seriam necessários, sem maiores problemas ele segue com a mamãe princesa para sua sala, como era heróico e bravo, dispensou sua tutora. Tirou da bolsa papel e lápis e começou a rabiscar algo aparentemente sem sentido.
Ouviu um barulho, olhou, entrou um horrível nariz, dois metros e meio de nariz! No mínimo! E disse o nariz:
-Bom dia a todos, meu nome é Alexandre, seu professor de matemática. Eu gostaria hoje que fizéssemos aqui uma roda para todos nos apresentarmos...
Como assim professor de matemática? Cadê a professorinha?
-Cadê a professorinha!?
O grito assustou alguns alunos, divertiu outros e embraveceu o professor.
-Onde você pensa que está menino? Qual o seu nome? Não me venha com problemas logo no primeiro dia – com tom menos rude – E que desenho é esse? Arvores não são azuis!

Mateos enfim entendeu tudo. A professorinha não estava na nova escola. O céu perdeu a cor verde, o professor não era um nariz falante, o ambiente protetor ruiu. Era isso que sua mãe dizia com “nosso menino está crescendo”, isso era crescer, era ser pássaro de asas cortada.
Estava certo, durante toda a vida ele seria podado.
Assim começou Mateos a ser educado.


Herói tombado 12/08/2010

domingo, 8 de agosto de 2010

Clichê

Durante um tempo eles se amaram, e trocaram um tipo diferente de aliança. Ela deu a Ele uma pulseira, Ele deu a Ela o coração, que bateria mesmo fora do peito enquanto vivesse o amor.
Numa tarde fria em meio a uma conversa dolorida Ela acabou com toda a fantasia. Ele retirou a pulseira e disse “Dá ao teu novo querer, não é justo que eu fique com o que pertence à terceira... Quanto ao coração... É sempre seu, faça o que quiser, mas não me devolva, esse sim te pertence."
E ficou lá parado como um robô. O coração cinza já não batia mais.


Clichê 04/08/2010

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Lispectoriana (ou Reflexão de fim de tarde)

...De qualquer modo fora uma tarde embandeirada.
E ao chegar a casa depois de seu compromisso deitou-se na cama e lá se esqueceu dos seus afazeres, deliciada com as lembranças da tarde e do belo animal. E tomou para si o desejo daquele amar diferente, encabulado, do amar o novo. Cogitou adquirir um exemplar do bixo e ter de novo, todos os dias, aquela sensação.
Abortou a idéia.
O novo deveria acontecer naturalmente e durar pouco, como um sonho, pois se não ainda sentiria vivo todo o cotidiano com o marido e os filhos, mas só restam os primeiros momentos, os de descoberta. Há amor, mas há amor obrigatório, forçado, a paixão morreu há muito tempo. E renasce com os mais estranhos acontecimentos.
Ela não sabe, mas esse pensamento a desmotivou durante toda a vida a buscar o novo por conta própria. Mas de qualquer modo fora uma tarde embandeirada.


Lispectoriana (ou Reflexão de fim de tarde) 04/08/2010

sexta-feira, 16 de julho de 2010

A vida de Jacó

É seu dotor, a vida não ta fácil pra ninguém não sinhô, eu mesmo desde miudinho to tendo que me virar, a quarenta e sete anos atrais foi quando eu nasci, nasci o quinto a nasce, dispois de mim ainda veio mai quatro, e a nossa famia teve é sorte, por que no parto só morreu a Joana, a tercera das fiarada, meu pai morreu cedo, de duença de bêbado, eu mesmo tinha só sete anos quando isso aconteceu, o mai velho, o José tinha quinze, José virou o homi da casa, e minha mãe, coitada, caducou de disgosto de vê meu pai morto, paro de trabaiá, paro até de cuida da Julia, que era bebe de colo ainda, a Joaquina é que fico encarregada de cuida da pequena, no anivressário de dezessete ano do José, ele e o outro mai velho, falaro que ia saí de casa, procurá trabaio no Rio de Janeiro, fazer a vida, e que vinham buscá nois dispois, saiu José e Josias, e nunca mai ouvimo falar deles, dali a famia fico assim, o Janeiro, eu, Joaquina, Jovelino, Jussara e Julia, no ano seguinte da viagem dos dois mai velho, quando eu tinha dez ano, minha mãe morreu, matada, ficou doente, de repente, discobrimo é que ela tava é leprosa, a comunidade toda tinha medo dessa doença, falavam que só pegava lepra quem tinha parte com o Capeta, um dia entro em casa seu Abílio, rezando alto, e com uma espingarda na mão, deu treis tiro na minha mãe, chamou ela de satânica, dispois disapareceu, nunca mais ouvimo falar dele, foi triste, nossa mãe doente, que nunca feis mal a ninguém, fica doente de doença braba, sê chamada de esposa do Demônio, e dispois se assassinada, a famia entro em choque, Janeiro não agüento e se lasco um tiro na testa, foi aí que resolvemo saí daquele lugá maldito, eu era o mai velho com só dez ano, viemo intão pra São Paulo, achando que tudo ia se bão, quebramo a cara, durmimo nas rua, passamo mai fome do que antes, apanhamo duns muleque de rua mai velho, Joaquina com nove ano resolveu se postitruí pra ganhar dinheiro, nois tudo não gostava, mai não tinha otro jeito, as vei ela vinha pra gente com dinheiro, as vei sem, as vei ela apanhava como uma cachorra sem dono, e era bem isso que ela era, ela eu Jovelino Jussara e Julia, passamo cinco ano na rua, eu e os outro treis vendendo bala e pedindo dinheiro em sinaleiro, e Joaquina se postitruino, ela não dexava as outra menina faze isso, então que nois conseguimo se mudar pruma favela, lá a Joaquina engravidou de alguém, queria continuá trabaiando, e resolveu tirar o miudinho da barriga, coitada, feis um abroto que não deu certo, morreu ela e o pequeno, ela era jove, tinha só quatorze ano, Jovelino se meteu no tráfico, começou a vender e usar droga, eu até dei uns tapa nele, mai teve jeito não, mexeu com isso dos doze aos vinte e cinco ano, um dia a policia subiu no morro, e pegou o Jovelino, boto dis costa ajoelhado no chão, e meteu tiro na nuca, é dotor, duma famia de nove fio mais mãe e pai, só ficou treis, eu, Jussara e Julia, mai dispois disso a vida até que deu uma miorada, Jussara caso com um homi bão, lá da favela mesmo, tem quatro fio que são as coisa mai bunita que Deus já fez, Julia começou a istudá, e eu, eu casei também, aos trinta, mai nem deu tempo de te fio e se feliz, a disgraçada da Tereza fugiu, fugiu com um sacolero que ia toda semana pro Paraguai, dispois disso nunca mai tive ânimo pra me apraxoná de novo não, é dotor, aí ta a minha vida, aí ta também meus documentos, e intão dotor, o imprego é meu?


A vida de Jacó 23/07/07

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Vida Barroca

A vida é Barroca, fato! Dois meses de puro marasmo e me vem essa semana de volta na minha terra vermelha e produtiva, feliz por pisar nela e sujar o tênis branco. Junto com uma das pessoas mais especiais que conheci esse ano. Dois meses de marasmo para uma semana de felicidade sem controle, e hoje quando acordo... Descubro que minha cachorra não acordou, nunca senti tanto uma morte quanto como sinto a da minha Lilica. Dois meses de marasmo para uma semana de felicidade sem controle junto com uma tristeza doída. A vida é Barroca, fato!
Cavar o buraco onde ficaria uma das minhas melhores amigas foi quase terapêutico. Me dignei a dar largura altura e profundidade o suficiente para ela. Me dignei a machucar minhas delicadas mãos no cavar. Jogar a terra é que foi desesperador, saber que ela não vai mais pular no meu colo, saber até que não vou mais ficar puto com ela. Jogar a terra é que foi desesperador.
Há coisas mais importantes para se fazer e pensar, mas agora tomo uma pausa, é justo. Não sei se foi melhor ou pior eu estar aqui pra ver ela, pra enterrar ela... Dói mais, mas não confiaria isso aos parentes, sei o quanto são insensíveis nesses casos. Foi melhor e pior... Fato, a vida é barroca!



Vida Barroca 07/07/10

sexta-feira, 25 de junho de 2010

#

Curitiba é a menina dos olhos do Brasil, um glamuroso pedaço de Europa em terras tupiniquins. Nada melhor que viver aqui, de olhos feichados. Por trás do slogam de Cidade Modelo se esconde todo um cenário deteriorado, pano de fundo ideal para contos de Rubens Fonseca ou Dalton Trevisan.
Em Curitiba, fevereiro foi o mês problema, este anos foram 214 mortes violentas, talvez por culpa do carnaval. Mas não é um fato isolado. 1735 mortes violentas em 2009 tornam Curitiba uma das cidades mais trágicas do país, como indicado em uma pesquisa feita pela Gazeta do Povo, publicada em março deste ano.
Enquanto mascaram a cidade, o desemprego aumenta; enquanto constroem novos parques, o tráfico se consolida. Medidas preventivas só são adotadas no grande centro (no CIC, por exemplo, ocorreram 20 homicídeos só em fevereiro deste ano).
O vampiro está solto e o Cobrador bem que poderia ser de Curitiba.


#- 16/06/10

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Borboleta

Hoje começou o inverno, começou bem, chuva, neblina e um nadinha de frio. Prefiro o Outono, é triste mas eu gosto. De qualquer forma é o inverno a melhor estação para refletir, se proteger do frio tecendo seu próprio manto de vitórias, derrotas, felicidades, tristezas, exaltações e angustias. No fim avaliar os últimos tempos.É época de virar Urso, Ostra e Larva.
Antecipando um pouco esse momento posso avaliar com toda certeza: Meu saldo é negativo, mas melhora cada vez mais. Lentamente, durante anos arei em terras inférteis, mais sofri do que fui feliz, os resultados foram aparecendo, eu só não os percebia. E no meu ultimo grande salto, me distanciando da minha terra pude ter uma visão melhor do meu campo: Está pronto!
Creio agora meu trabalho seja plantar, regar... Matar mais uma ou duas pragas talvez.
E esperar que minha primavera chegue produtiva.


Borboleta 21/06/10

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A propriedade

Ela usa algemas.
Maria, desde sempre submissa, nascida em uma família patriarcal, conservadora, nunca pôde estudar, tanto por falta de condição financeira quanto por repúdios culturais por parte do pai. Única filha entre os seis irmãos. Carregava nas costas a morte da mãe que não agüentou as complicações do parto. Os que a viam de fora afirmavam: Não conhece a mãe, mas a ela é idêntica.
Ao completar quinze anos casou-se com um primo, não por amor, mas para fugir das humilhações dos homens da família... Não houve resultados, em muito pouco tempo ela trocou seis tiranos por um. E a vida continuou a mesma não-vida por anos.
Maria agora tem cinco filhos com o demônio que a prende. O alcoolismo e o ciúme de seu homem a leva ao mais absoluto desespero, seu primo há muito tempo a proíbe de sair de casa, faz muito tempo que sua pouca vida social e amizades desapareceram, seus filhos se tornaram tiranos como o pai, nada mais pode salva-la.
Ao completar vinte e sete anos seu presente foi a pior das brigas, em um surto de ciúme seu homem alegava que ela o traía... Com lágrimas de terror de quem perde seu bem mais precioso ele a batia. Muito.
Maria sangrava pelo corpo todo, seu homem apenas na mão direita. Ele saca uma arma e ao pranto lhe faz uma proposta “ou você me mata, ou eu mato você”. Prova maior de covardia não existe, o próprio carrasco dar alternativas, assim ele poderia sempre dizer “ela que escolheu, ela que quis”.
Um fogo arde em Maria, nuca em sua vida ela se sentiu tão viva. A possibilidade da mais cruel vingança estava na sua frente, a mais cruel vingança seguida do mais relaxante descanso.
E ela pega a arma.

E se ouve o disparo.

Maria sentada no chão queria rir, queria ver a cena, não tinha forças, estava morta. Apontou a própria cabeça e apertou o gatilho, tirou de seu marido a propriedade, seu bem de consumo mais adorado, com as próprias mãos ela criou uma nova alternativa, um desfecho sem o comando de seu tirano. A pior das punhaladas foi dada, forte, certeira, divina.
Ela não usa algemas.


A propriedade 17/06/10

domingo, 13 de junho de 2010

Conto de natal

À noite de natal nunca foi feliz para a menina Clara, noite de natal pode não ser noite feliz para muita gente, cada um sabe por que gostar ou não dela, e alguns, nem isso, mas a menina Clara tem seus motivos para não gostar, eu diria, um trauma de infância...
- Vem filhinha, daqui a pouco o Papai... Noel, chega para entregar os presentes, além do mais, eu não sei como ainda tem lugar nessa sua barriga pra comida, menina gulosa! Vai Clara, vai lavar a mão e vem se sentar junto da gente, o Papai Noel já deve estar chegando, falta pouco para a meia noite.
- Ta bom mamãe, to indo, deixa só eu terminar de papar a torta da vovó.
Noite de natal, os últimos momentos de natal feliz da menina Clara, a casa era grande, era na verdade um sobrado, no centro da sala estavam sentados sua mãe e sua avó, faltava alguém, o pai de Clara estava viajando a negócios, o que deixava o natal daquele ano menos mágico, mesmo com a chegada do Noel, mas ainda assim, um natal feliz.
- Mãããe olha minhas mãos, estão limpas né?
- Hã... –faz um gesto contrariada, porém afirmativo, as mãos estavam engorduradas, talvez a menina nem houvesse as lavado, mas como reclamar de uma garota de seis anos?- Ta, ta limpa sim, só não fica pegando no controle da tevê.
- Ta bom! Porque?
- Por que não é para pegar...
Clara corre com sua porquinha rosa de pelúcia pela casa toda, assim, meio tonta, sem saber aonde ir, dando uns gritinhos, pulinhos, solucinhos e mais tudo no diminutivo que uma criança loira com vestidinho verde tem direito.
- O vóóó.
- Diga meu anjo.
- Sabe o que é que é que é que o professor disse hoje na escolinha?
- Como é que eu vou saber meu bem?
- Ele perguntou quem é que é que eu clonaria!
- E o que você disse clara?
- Que eu clonaria você!
Então os olhos da velha senhora se encheram de lágrimas, ela abraça fortemente sua neta, e nesse momento o rosto daquela mulher fica com uma expressão ainda mais bondosa.
- Clara volta a correr pela casa com sua porquinha rosa e toda sua coleção de diminutivos, impaciente, pois sua mãe disse que neste natal o Papai Noel viria enquanto ela estivesse acordada.
- O mãe... O pai não ta aqui, ele não vai ver o Papai Noel, manda ele vim aqui outro dia, um dia que o pai estiver com a gente, aposto que o pai quer ver o Papai Noel também.
- Calma Clara, eu vou gravar na fita de vídeo, ele vai poder ver o Papai Noel quantas vezes quiser.
- Mas pessoalmente é melhor!
- Tudo bem Clara, ele já viu o Papai Noel quando tinha sua idade.
- E isso é quanto tempo?
- É mais que sua idade...
- Vó! Eu tenho cinco ou seis?
- Seis na idade e cinco no pé direito.
Clara gargalha durante muito tempo com a piada e volta a correr pela casa toda.
- Clara! Eu disse para você não pegar no controle da tevê, menina mal criada!
Mas a menina mal criada está no quarto da sua mãe, sujando outro controle, enquanto assistia a um programa infantil.
E com o mesmo sem motivo para ligar a tevê, ela a desligou e desceu para a cozinha, mexeu na comida, e quando se preparava para comer mais um pouco sua mãe grita:
- Clara meu amor, venha rápido, o Papai Noel chegou!
Nesse momento a menina quase explode.
- Ah! Papai Noel! Meu presente! Mãããããe! Cadê meu presente?
Ela pega uma caixa rosa, mas toda a vontade de abri-la passa, de repente tudo o que a menina queria era ficar perto do Papai Noel.
- Papai Noel? Porque você é tão barrigudo e tem os braços e pernas fininhos? Você é engraçado!
- Hoho, minha querida, um passarinho me disse que seu nome é Clara, acertei?
- Nooossa! Você deve ter um Papaigaiel muito falador mesmo! – ela diz isso com os olhos brilhando.
E Clara enche o Papai Noel com infinitas perguntas, e o homem enche Clara com respostas, até que a menina cansa, e resolve ir dormir, ela se despede de todos, a mãe, a avó e o Papai Noel, sobe para seu quarto, e se deita.
O barulho na sala continua por mais algum tempo.
E logo as luzes se apagam.
Pouco tempo depois Clara se levanta, ela abandonou sua porquinha rosa em algum lugar, e vai até o quarto da sua mãe lhe perguntar se ela a viu.
- Como eu estou cansado, meu bem.
- Eu também Noelzão!
Agora a menina está paralisada, escandalizada, por uma fresta da porta ela vê sua mãe beijando o Papai Noel, isso era o fim! Ser traída pelo Papai Noel! Clara bate em retirada, chorando, e demora a dormir, ela pensa em seu pai, no Papai Noel traidor, na sua mãe e em sua porquinha rosa.
E ela dorme triste.
E pela primeira vez ela dorme sem sua porca rosa.

- Acorda filhinha!
- Pai! Você veio! Achei que ia demorar mais para chegar, quando você chegou?
- ...De madrugada, de madrugada...
- E você bateu no Papai Noel né?
- Ora minha filha! Por que eu faria uma maldade dessas com o bom velinho?
- É que... Que... Ah! Não é nada não, só me promete que ele nunca mais vai vir aqui em casa!

Dedicado a uma grande amiga.


Conto de natal 02/02/08

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Esclarecimento

É difícil ser produtivo quando não se está bem com você mesmo, digo produtivo em um sentido mais amplo, menos Capitalista e Mecanicista. Para mudar o mundo é preciso engajar-se de corpo e alma nos estudos e na militância, esperar com bons olhos bons e maus dias, é preciso ser não passivo. Mas confesso que ainda não tenho a carga revolucionaria que ambiciono, e espero mesmo nunca ter, ser um sempre descontente, traçar novas metas quando chegar perto da velha. Mas aqui eu volto a questão de estar bem, ontem mesmo resolvi uma pendência de quase-ano e fiquei feliz, contente, leve. Incrível como isso dá novo ânimo. Che já dizia que um revolucionário é movido por amor, mesmo se for preciso pegar em armas, é por sonhar com um mundo melhor, para todos... Nem tudo são flores. E nunca serão, dizer que é possível atingir o socialismo apenas por reformas, sem dor ou choro, isso sim é a verdadeira utopia. Desistir das idéias revolucionárias para evitar a dor e o choro da luta futura é no mínimo fechar os olhos para a dor e o choro de agora. Vez passada defendei uma idéia absurda que no momento me pareceu conter todo o sentido, o militante deve fechar-se em si mesmo e na revolução. Tornarem homens e mulheres politizados e prontos para a guerra, sem a fraqueza de remorso ao inimigo, mas também sem a fraqueza de preocupações que julguei desnecessárias, como amores, família e amigos, para depois de vencida a luta contra a burguesia, humanizarem-se. Fazendo um paralelo, pensei em militantes como o Robocop. O máximo que pessoas assim conseguiriam seria tomarem o poder para eles mesmos. Volto pela ultima vez ao sentir-se bem por que foi ele quem me proporcionou essas palavras e concluo não querendo parecer passivo que é necessário a nossa causa camaradas unidos, revoltados com a carga problemática de um sistema monetariamente rico mas ideologicamente falido e pro fim estarem bem consigo mesmos, isso ao menos me ajuda.


Esclarecimento 07/05/10

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Há muito tempo... Berenice

Berenice é uma dona de casa comum, carrega nas costas quarenta e cinco longos e cansativos anos, carrega também um marido e dois filhos, a vinte anos ela é casada, a muito tempo ela suporta as traições do marido, a muito tempo ela suporta os dois filhos que lhe dão vergonha e desgosto, a muito tempo a vida de Berenice se resume a limpar a casa, lavar o roupa, fazer comida, não ser comida...
Um dia Berenice para o que estava fazendo, começa a chorar, ela estava decidida, a muito tempo ela vinha pensando em abandonar tudo e viver seus sonhos de juventude, ela vai ao quarto, pega suas roupas, colares, rasga suas fotos... Entra no carro, vai ao banco, tira todo o dinheiro da conta, vai ao aeroporto, compra uma passagem para Nova Zelândia...
Há muito tempo Berenice viaja o mundo, já passou por mais de vinte países, já esquiou em montanhas, já pulou de pára-quedas, já teve os homens que desejou, e em nenhum momento sentiu falta da vida medíocre que levava, em nenhum momento sentiu falta do marido e dos filhos medíocres que tinha...
Berenice abre os olhos, para de chorar, se sente culpada por tudo o que pensou... E volta a lavar as roupas.


Há muito tempo... Berenice 21/07/07

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Muito intimo

Eu tinha o que? doze, treze anos? a memória exata me falha, de qualquer maneira era a sétima série. E você? Dez ou onze anos... tão nova.
Lembro da primeira vez que conversamos, foi breve, e eu me enchi de vergonha, a Wanessa gostava de mim, e foi você que apareceu do além pra me perguntar se eu a beijaria.
Em pouco tempo ficamos muito amigos, você tinha a bendita mania de me abraçar... adoro abraços... e como você tive só duas ou três amigas.
Não nos falamos muito hoje, mas nutro por você um carinho enorme, por você e só mais duas ou três amigas.
Creio que ainda na sétima série (caiu uma lágrima no papel) você começou a gostar de mim, tão nova e tão mais esperta do que eu, da minha parte, encabulação, pudores, e assim se passou muito tempo, oitava série, primeiro ano, eu continuava te visitando no velho colégio até o dia em que você se mudou para outra cidade... você me pediu um beijo, e foi o único (que diga-se de passagem fiz o máximo para ser o pior possível), quanto tempo você gostou de mim?

Pulo vários anos, nesse meio tempo nos falávamos, em épocas com muita freqüência, em época com menos ânimo. Uma vez nesse meio tempo combinamos de sair, haha, por falta de planejamento acabamos nos desencontrando.

E você voltou pra nossa cidade, nos vimos... uma única vez, tenho o costume de cobrar meus amigos e sempre fui tão relapso com você. Desculpe. Nesse dia quem tentou te beijar fui eu...
Mudei de cidade, prometi te fazer uma ultima visita e não cumpri.
Hoje por acaso vou falar com você.
E estou tremendo até agora.

Em resumo nossa amizade é isso.

Mas e agora? Queria estar aí e receber um abraço longo e forte... Acho que eu é que preciso ser consolado... Como você me fica grávida? Até agora estou atordoado. Temo pelo seu futuro, pelo futuro dessa criança (pausa pra um choro longo). A vida toma cada caminho estranho, tenho o costume de pensar nos “se”, se fosse, se não fosse, se não fosse... Nem nisso consigo pensar.
Só posso te desejar boa sorte, mesmo acreditando que desejar boa sorte em nada resolve, estou longe e nem um abraço posso te dar, desabafo nisso que é provavelmente meu texto com palavras mais repetitivas, chatas, sem cor, mas não quero editá-lo pois minha sinceridade seria alterada.
Sinto no fundo do peito uma dor de preocupação, uma dor de tristeza e uma dor de não sei o que. Tento ao menos me animar com a chegada da criança, mas mesmo tomado pela emoção, quanto a isso, estou sendo racional.
Mas quero vê-lo, digo, vou vê-lo, Chorando litros imagino, e espero até lá estar feliz e ver a possibilidade de seu futuro não interrompido.
A primeira, e até o momento era a única vez que imaginei uma amiga minha sendo mãe foi bem diferente, por que a loira, diferente de você, japa, não estava esperando criança alguma. Era uma possibilidade ao longe, até engraçada, crianças correndo pela casa e me chamando de tio.
Agora é real, e as crianças não vão correr pela sala nem me chamar de tio, vão ser formais, pois serei um desconhecido, e isso inclui os futuros loirinhos. Será menos charmoso, mas vou gostar mesmo assim.
Futuramente ainda iremos nos falar? O tempo passou e perdemos muito contato, embora tenha sobrado a amizade, mas e daqui dez anos? Tenho medo de pensar nessas coisas.

(...)

Já é outro dia, não sei por quanto tempo fiquei acordado na cama, embora mais calmo, não consigo me encontrar, acho que o tempo vai se arrastar pesadamente até eu absorver tudo isso. Não me acostumo com essas coisas.
E estou desistindo de terminar esse texto de forma apropriada, não acho um desfecho nem uma frase de efeito. Então só digo que te quero bem, você e essa criança.
Te amo japa.
Beatriz... Bia.


Muito intimo 31/05/10

domingo, 30 de maio de 2010

E agora príncipe?

O bravo príncipe salvou a linda princesa das garras do terrível dragão, e por gratidão o honrado rei prometeu a mão de sua filha em casamento...
Passaram-se dois meses, o príncipe se familiarizou com o novo reino em que futuramente irá governar, os últimos preparativos da festa estão sendo apurados, o padre já está lá embaixo conversando com o rei, os camponeses estão do lado de fora esperando que comecem as comemorações, o bobo da corte diz para o príncipe se apresentar ao altar, a noiva já estava chegando...
Mas ele sobe para o quarto nupcial.
E agora? Sentado em uma cama de casal o príncipe pensa sobre o casamento, ele está preparado para enfrentar todos os seus pesadelos, mas e seus sonhos? Só, em um quarto de luxo, dentro de um grande castelo esse homem chora, ele estaria preparado para viver seu futuro? Ele estaria preparado para ver sua linda princesa se transformar em algo ruim? Ele estaria preparado para cuidar de um (e talvez vários) filhos? Sozinho no quarto escuro o príncipe pensa se seria um bom pai, se teria tempo e disposição para amar sua esposa e ver seus filhos crescerem, se com o passar dos anos seus filhos não o odiariam por ele ser um velho rei hipócrita que só pensa em dinheiro e deixa os camponeses passarem fome, e pior, no futuro seus filhos se tornarão pessoas como ele, sua linda e amada esposa, já com o peso e as rugas características dos anos, o odiará, e irá amaldiçoar o dia em que se casaram, terá amantes, e o príncipe não dará importância para isso, ele não reclama, no fundo sabe que falhou em sua vida familiar, antes mesmo de ela começar.
O príncipe está decidido, agora ele levanta, abre a porta, desce as escadas, cada passo dele representa um momento de sua vida, e hoje ele vê que seus passos foram em vão, o príncipe vai até o altar, lá está sua noiva, linda, ele se aproxima, nela dá um longo beijo na testa e diz “desculpe-me” vira de costas e sai.
Ele a abandonou, ele a salvou...


E agora príncipe? 06/09/07

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Minha tristeza Maringaense

As máquinas funcionaram e eu não vi, a distância aumenta e diminui minha dor, mais um prédio histórico foi tombado, Américo Dias Ferraz, a rodoviária velha agora só reina imponente em fotos e mentes. Destroem a memória da minha cidade materna, meu berço perde a cor, tudo em prol de uma falsa revitalização urbana. Exorcizam a rodoviária como se ela fosse a causa única dos problemas de Maringá.
No lugar? Algum prédio comercial, cinza, espelhado, quadrado e sem vida. Revitalização? Os meios são sempre os mesmos, a policia ou recoloca os marginais, mendigos e prostitutas em bairros pobres como o Alvorada, recoloca os marginais, mendigos e prostitutas em cidades vizinhas e desprotegidas como Sarandi ou Paiçandu, ou por baixo de todos os panos a policia acaba de vez com a vida dos marginais, mendigos e prostitutas. A limpeza da revitalização ou suja outros locais ou mata outras pessoas.
Os arredores valorizam, a especulação imobiliária corre como uma louca feliz, o policiamento aumenta, as ruas se limpam, os empregos aparecem. Quem aproveita? A burguesia, mesmo se fosse construído o tão sonhado espaço cultural a população humilde apenas transitará pelos arredores para trabalhar, tendo a infeliz ilusão de que a situação está muito melhor. Para os pobres uma parede nova, bonita... e Parede. Para os miseráveis, a exclusão.
Mulheres se venderão em outros lugares, homens usarão crack em outros cantos, pois não é do interesse da prefeitura que o problema de fato acabe. Se medidas verdadeiras, efetivas, fossem tomadas talvez com dor no peito eu aceitasse a retirada de um pedaço do meu coração. Mas por fim, me sobram uma cicatriz no tórax e a certeza de que meu câncer pulmonar só mudou para os rins.


Minha tristeza Maringaense 28/05/10