quinta-feira, 17 de junho de 2010

A propriedade

Ela usa algemas.
Maria, desde sempre submissa, nascida em uma família patriarcal, conservadora, nunca pôde estudar, tanto por falta de condição financeira quanto por repúdios culturais por parte do pai. Única filha entre os seis irmãos. Carregava nas costas a morte da mãe que não agüentou as complicações do parto. Os que a viam de fora afirmavam: Não conhece a mãe, mas a ela é idêntica.
Ao completar quinze anos casou-se com um primo, não por amor, mas para fugir das humilhações dos homens da família... Não houve resultados, em muito pouco tempo ela trocou seis tiranos por um. E a vida continuou a mesma não-vida por anos.
Maria agora tem cinco filhos com o demônio que a prende. O alcoolismo e o ciúme de seu homem a leva ao mais absoluto desespero, seu primo há muito tempo a proíbe de sair de casa, faz muito tempo que sua pouca vida social e amizades desapareceram, seus filhos se tornaram tiranos como o pai, nada mais pode salva-la.
Ao completar vinte e sete anos seu presente foi a pior das brigas, em um surto de ciúme seu homem alegava que ela o traía... Com lágrimas de terror de quem perde seu bem mais precioso ele a batia. Muito.
Maria sangrava pelo corpo todo, seu homem apenas na mão direita. Ele saca uma arma e ao pranto lhe faz uma proposta “ou você me mata, ou eu mato você”. Prova maior de covardia não existe, o próprio carrasco dar alternativas, assim ele poderia sempre dizer “ela que escolheu, ela que quis”.
Um fogo arde em Maria, nuca em sua vida ela se sentiu tão viva. A possibilidade da mais cruel vingança estava na sua frente, a mais cruel vingança seguida do mais relaxante descanso.
E ela pega a arma.

E se ouve o disparo.

Maria sentada no chão queria rir, queria ver a cena, não tinha forças, estava morta. Apontou a própria cabeça e apertou o gatilho, tirou de seu marido a propriedade, seu bem de consumo mais adorado, com as próprias mãos ela criou uma nova alternativa, um desfecho sem o comando de seu tirano. A pior das punhaladas foi dada, forte, certeira, divina.
Ela não usa algemas.


A propriedade 17/06/10

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