sexta-feira, 25 de junho de 2010

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Curitiba é a menina dos olhos do Brasil, um glamuroso pedaço de Europa em terras tupiniquins. Nada melhor que viver aqui, de olhos feichados. Por trás do slogam de Cidade Modelo se esconde todo um cenário deteriorado, pano de fundo ideal para contos de Rubens Fonseca ou Dalton Trevisan.
Em Curitiba, fevereiro foi o mês problema, este anos foram 214 mortes violentas, talvez por culpa do carnaval. Mas não é um fato isolado. 1735 mortes violentas em 2009 tornam Curitiba uma das cidades mais trágicas do país, como indicado em uma pesquisa feita pela Gazeta do Povo, publicada em março deste ano.
Enquanto mascaram a cidade, o desemprego aumenta; enquanto constroem novos parques, o tráfico se consolida. Medidas preventivas só são adotadas no grande centro (no CIC, por exemplo, ocorreram 20 homicídeos só em fevereiro deste ano).
O vampiro está solto e o Cobrador bem que poderia ser de Curitiba.


#- 16/06/10

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Borboleta

Hoje começou o inverno, começou bem, chuva, neblina e um nadinha de frio. Prefiro o Outono, é triste mas eu gosto. De qualquer forma é o inverno a melhor estação para refletir, se proteger do frio tecendo seu próprio manto de vitórias, derrotas, felicidades, tristezas, exaltações e angustias. No fim avaliar os últimos tempos.É época de virar Urso, Ostra e Larva.
Antecipando um pouco esse momento posso avaliar com toda certeza: Meu saldo é negativo, mas melhora cada vez mais. Lentamente, durante anos arei em terras inférteis, mais sofri do que fui feliz, os resultados foram aparecendo, eu só não os percebia. E no meu ultimo grande salto, me distanciando da minha terra pude ter uma visão melhor do meu campo: Está pronto!
Creio agora meu trabalho seja plantar, regar... Matar mais uma ou duas pragas talvez.
E esperar que minha primavera chegue produtiva.


Borboleta 21/06/10

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A propriedade

Ela usa algemas.
Maria, desde sempre submissa, nascida em uma família patriarcal, conservadora, nunca pôde estudar, tanto por falta de condição financeira quanto por repúdios culturais por parte do pai. Única filha entre os seis irmãos. Carregava nas costas a morte da mãe que não agüentou as complicações do parto. Os que a viam de fora afirmavam: Não conhece a mãe, mas a ela é idêntica.
Ao completar quinze anos casou-se com um primo, não por amor, mas para fugir das humilhações dos homens da família... Não houve resultados, em muito pouco tempo ela trocou seis tiranos por um. E a vida continuou a mesma não-vida por anos.
Maria agora tem cinco filhos com o demônio que a prende. O alcoolismo e o ciúme de seu homem a leva ao mais absoluto desespero, seu primo há muito tempo a proíbe de sair de casa, faz muito tempo que sua pouca vida social e amizades desapareceram, seus filhos se tornaram tiranos como o pai, nada mais pode salva-la.
Ao completar vinte e sete anos seu presente foi a pior das brigas, em um surto de ciúme seu homem alegava que ela o traía... Com lágrimas de terror de quem perde seu bem mais precioso ele a batia. Muito.
Maria sangrava pelo corpo todo, seu homem apenas na mão direita. Ele saca uma arma e ao pranto lhe faz uma proposta “ou você me mata, ou eu mato você”. Prova maior de covardia não existe, o próprio carrasco dar alternativas, assim ele poderia sempre dizer “ela que escolheu, ela que quis”.
Um fogo arde em Maria, nuca em sua vida ela se sentiu tão viva. A possibilidade da mais cruel vingança estava na sua frente, a mais cruel vingança seguida do mais relaxante descanso.
E ela pega a arma.

E se ouve o disparo.

Maria sentada no chão queria rir, queria ver a cena, não tinha forças, estava morta. Apontou a própria cabeça e apertou o gatilho, tirou de seu marido a propriedade, seu bem de consumo mais adorado, com as próprias mãos ela criou uma nova alternativa, um desfecho sem o comando de seu tirano. A pior das punhaladas foi dada, forte, certeira, divina.
Ela não usa algemas.


A propriedade 17/06/10

domingo, 13 de junho de 2010

Conto de natal

À noite de natal nunca foi feliz para a menina Clara, noite de natal pode não ser noite feliz para muita gente, cada um sabe por que gostar ou não dela, e alguns, nem isso, mas a menina Clara tem seus motivos para não gostar, eu diria, um trauma de infância...
- Vem filhinha, daqui a pouco o Papai... Noel, chega para entregar os presentes, além do mais, eu não sei como ainda tem lugar nessa sua barriga pra comida, menina gulosa! Vai Clara, vai lavar a mão e vem se sentar junto da gente, o Papai Noel já deve estar chegando, falta pouco para a meia noite.
- Ta bom mamãe, to indo, deixa só eu terminar de papar a torta da vovó.
Noite de natal, os últimos momentos de natal feliz da menina Clara, a casa era grande, era na verdade um sobrado, no centro da sala estavam sentados sua mãe e sua avó, faltava alguém, o pai de Clara estava viajando a negócios, o que deixava o natal daquele ano menos mágico, mesmo com a chegada do Noel, mas ainda assim, um natal feliz.
- Mãããe olha minhas mãos, estão limpas né?
- Hã... –faz um gesto contrariada, porém afirmativo, as mãos estavam engorduradas, talvez a menina nem houvesse as lavado, mas como reclamar de uma garota de seis anos?- Ta, ta limpa sim, só não fica pegando no controle da tevê.
- Ta bom! Porque?
- Por que não é para pegar...
Clara corre com sua porquinha rosa de pelúcia pela casa toda, assim, meio tonta, sem saber aonde ir, dando uns gritinhos, pulinhos, solucinhos e mais tudo no diminutivo que uma criança loira com vestidinho verde tem direito.
- O vóóó.
- Diga meu anjo.
- Sabe o que é que é que é que o professor disse hoje na escolinha?
- Como é que eu vou saber meu bem?
- Ele perguntou quem é que é que eu clonaria!
- E o que você disse clara?
- Que eu clonaria você!
Então os olhos da velha senhora se encheram de lágrimas, ela abraça fortemente sua neta, e nesse momento o rosto daquela mulher fica com uma expressão ainda mais bondosa.
- Clara volta a correr pela casa com sua porquinha rosa e toda sua coleção de diminutivos, impaciente, pois sua mãe disse que neste natal o Papai Noel viria enquanto ela estivesse acordada.
- O mãe... O pai não ta aqui, ele não vai ver o Papai Noel, manda ele vim aqui outro dia, um dia que o pai estiver com a gente, aposto que o pai quer ver o Papai Noel também.
- Calma Clara, eu vou gravar na fita de vídeo, ele vai poder ver o Papai Noel quantas vezes quiser.
- Mas pessoalmente é melhor!
- Tudo bem Clara, ele já viu o Papai Noel quando tinha sua idade.
- E isso é quanto tempo?
- É mais que sua idade...
- Vó! Eu tenho cinco ou seis?
- Seis na idade e cinco no pé direito.
Clara gargalha durante muito tempo com a piada e volta a correr pela casa toda.
- Clara! Eu disse para você não pegar no controle da tevê, menina mal criada!
Mas a menina mal criada está no quarto da sua mãe, sujando outro controle, enquanto assistia a um programa infantil.
E com o mesmo sem motivo para ligar a tevê, ela a desligou e desceu para a cozinha, mexeu na comida, e quando se preparava para comer mais um pouco sua mãe grita:
- Clara meu amor, venha rápido, o Papai Noel chegou!
Nesse momento a menina quase explode.
- Ah! Papai Noel! Meu presente! Mãããããe! Cadê meu presente?
Ela pega uma caixa rosa, mas toda a vontade de abri-la passa, de repente tudo o que a menina queria era ficar perto do Papai Noel.
- Papai Noel? Porque você é tão barrigudo e tem os braços e pernas fininhos? Você é engraçado!
- Hoho, minha querida, um passarinho me disse que seu nome é Clara, acertei?
- Nooossa! Você deve ter um Papaigaiel muito falador mesmo! – ela diz isso com os olhos brilhando.
E Clara enche o Papai Noel com infinitas perguntas, e o homem enche Clara com respostas, até que a menina cansa, e resolve ir dormir, ela se despede de todos, a mãe, a avó e o Papai Noel, sobe para seu quarto, e se deita.
O barulho na sala continua por mais algum tempo.
E logo as luzes se apagam.
Pouco tempo depois Clara se levanta, ela abandonou sua porquinha rosa em algum lugar, e vai até o quarto da sua mãe lhe perguntar se ela a viu.
- Como eu estou cansado, meu bem.
- Eu também Noelzão!
Agora a menina está paralisada, escandalizada, por uma fresta da porta ela vê sua mãe beijando o Papai Noel, isso era o fim! Ser traída pelo Papai Noel! Clara bate em retirada, chorando, e demora a dormir, ela pensa em seu pai, no Papai Noel traidor, na sua mãe e em sua porquinha rosa.
E ela dorme triste.
E pela primeira vez ela dorme sem sua porca rosa.

- Acorda filhinha!
- Pai! Você veio! Achei que ia demorar mais para chegar, quando você chegou?
- ...De madrugada, de madrugada...
- E você bateu no Papai Noel né?
- Ora minha filha! Por que eu faria uma maldade dessas com o bom velinho?
- É que... Que... Ah! Não é nada não, só me promete que ele nunca mais vai vir aqui em casa!

Dedicado a uma grande amiga.


Conto de natal 02/02/08

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Esclarecimento

É difícil ser produtivo quando não se está bem com você mesmo, digo produtivo em um sentido mais amplo, menos Capitalista e Mecanicista. Para mudar o mundo é preciso engajar-se de corpo e alma nos estudos e na militância, esperar com bons olhos bons e maus dias, é preciso ser não passivo. Mas confesso que ainda não tenho a carga revolucionaria que ambiciono, e espero mesmo nunca ter, ser um sempre descontente, traçar novas metas quando chegar perto da velha. Mas aqui eu volto a questão de estar bem, ontem mesmo resolvi uma pendência de quase-ano e fiquei feliz, contente, leve. Incrível como isso dá novo ânimo. Che já dizia que um revolucionário é movido por amor, mesmo se for preciso pegar em armas, é por sonhar com um mundo melhor, para todos... Nem tudo são flores. E nunca serão, dizer que é possível atingir o socialismo apenas por reformas, sem dor ou choro, isso sim é a verdadeira utopia. Desistir das idéias revolucionárias para evitar a dor e o choro da luta futura é no mínimo fechar os olhos para a dor e o choro de agora. Vez passada defendei uma idéia absurda que no momento me pareceu conter todo o sentido, o militante deve fechar-se em si mesmo e na revolução. Tornarem homens e mulheres politizados e prontos para a guerra, sem a fraqueza de remorso ao inimigo, mas também sem a fraqueza de preocupações que julguei desnecessárias, como amores, família e amigos, para depois de vencida a luta contra a burguesia, humanizarem-se. Fazendo um paralelo, pensei em militantes como o Robocop. O máximo que pessoas assim conseguiriam seria tomarem o poder para eles mesmos. Volto pela ultima vez ao sentir-se bem por que foi ele quem me proporcionou essas palavras e concluo não querendo parecer passivo que é necessário a nossa causa camaradas unidos, revoltados com a carga problemática de um sistema monetariamente rico mas ideologicamente falido e pro fim estarem bem consigo mesmos, isso ao menos me ajuda.


Esclarecimento 07/05/10

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Há muito tempo... Berenice

Berenice é uma dona de casa comum, carrega nas costas quarenta e cinco longos e cansativos anos, carrega também um marido e dois filhos, a vinte anos ela é casada, a muito tempo ela suporta as traições do marido, a muito tempo ela suporta os dois filhos que lhe dão vergonha e desgosto, a muito tempo a vida de Berenice se resume a limpar a casa, lavar o roupa, fazer comida, não ser comida...
Um dia Berenice para o que estava fazendo, começa a chorar, ela estava decidida, a muito tempo ela vinha pensando em abandonar tudo e viver seus sonhos de juventude, ela vai ao quarto, pega suas roupas, colares, rasga suas fotos... Entra no carro, vai ao banco, tira todo o dinheiro da conta, vai ao aeroporto, compra uma passagem para Nova Zelândia...
Há muito tempo Berenice viaja o mundo, já passou por mais de vinte países, já esquiou em montanhas, já pulou de pára-quedas, já teve os homens que desejou, e em nenhum momento sentiu falta da vida medíocre que levava, em nenhum momento sentiu falta do marido e dos filhos medíocres que tinha...
Berenice abre os olhos, para de chorar, se sente culpada por tudo o que pensou... E volta a lavar as roupas.


Há muito tempo... Berenice 21/07/07