quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Herói tombado

Ao fundo fala a professorinha:
Blá, blá, blá, blá, o céu deveria ser verde e as pessoas terem rabos...
Inventando as palavras da professorinha, Mateos, afastado dos demais, rabiscava algo aparentemente sem sentido e divertia-se vendo seus colegas de classe todos fantasiados, de foca a extraterrestre. Seus olhos modificavam as cores e contornos da chamada vida real. Só a professorinha se mantinha intacta, sem necessidades de reparos, só a professorinha era perfeição.
Andando pelo chão roxo, com seu belo sorriso ela distribuía atenção, amor, a todos os robôs, hipopótamos e dragões da sala, em sua infinita bondade ela era cordial até mesmo com o chato do abajur quebrado.
Chegam às férias e é bom passar mais tempo com papai gigante, mamãe princesa e até mesmo com a maninha (que chora demais para um ovo, mas ainda assim é um amor).
Passeiam à casa de campo da tia Pardal, uma velha sem graça que faz bolos deliciosos. Na casa de campo há muito espaço, mas dificilmente Mateos fica longe dos olhos dos mais velhos, isso o desagrada, ele queria voar sem incômodos.
E vai ao parque, vê os primos, nada na piscina, nada longamente na piscina, cria histórias sobre o submundo das formigas... Ocupa a cabeça, pois são três meses e é triste a distância da professorinha. Pré um, dois e três se fizeram ao seu lado.
Enfim voltam as aulas, momento novo na vida de Mateos. Ele cogita mudar de nome, de aparência... Melhor não. Possível que a professorinha não o reconhecesse, então ele só mudou de leve sua cor.
A escolinha nova era feia, bem feia, alguns retoques seriam necessários, sem maiores problemas ele segue com a mamãe princesa para sua sala, como era heróico e bravo, dispensou sua tutora. Tirou da bolsa papel e lápis e começou a rabiscar algo aparentemente sem sentido.
Ouviu um barulho, olhou, entrou um horrível nariz, dois metros e meio de nariz! No mínimo! E disse o nariz:
-Bom dia a todos, meu nome é Alexandre, seu professor de matemática. Eu gostaria hoje que fizéssemos aqui uma roda para todos nos apresentarmos...
Como assim professor de matemática? Cadê a professorinha?
-Cadê a professorinha!?
O grito assustou alguns alunos, divertiu outros e embraveceu o professor.
-Onde você pensa que está menino? Qual o seu nome? Não me venha com problemas logo no primeiro dia – com tom menos rude – E que desenho é esse? Arvores não são azuis!

Mateos enfim entendeu tudo. A professorinha não estava na nova escola. O céu perdeu a cor verde, o professor não era um nariz falante, o ambiente protetor ruiu. Era isso que sua mãe dizia com “nosso menino está crescendo”, isso era crescer, era ser pássaro de asas cortada.
Estava certo, durante toda a vida ele seria podado.
Assim começou Mateos a ser educado.


Herói tombado 12/08/2010

2 comentários:

  1. Eu demorei até demais pra seguir seu blog Lui, perdão, quem perdeu foi eu, sério.

    Quantas alunos passam por isso todos os anos? E quantos professores estão despreparados para lidar com essas mudanças? São tantos.

    Ótima postagem, ta cada vez melhor =D

    Roberta.

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