segunda-feira, 9 de maio de 2011

Perna

Duas em meia ela chega ao hospital, seu filho foi atropelado na rua, um gol preto saiu em fuga, por sorte apenas uma perna foi quebrada, nada grave, afirma o médico. Possibilidades são dadas, público ou privado. Ela não tem dinheiro. Possibilidades inexistem.
As horas passam, passam, passam as horas e horas passam. Nenhum médico foi falar com a mulher, ela não sabe onde está o filho. Faz perguntas e a resposta é sempre a mesma “tenha paciência senhora, seu filho está sendo bem tratado”.
Três. Quatro. Cinco. Seis da manhã. Sete horas e o dia está claro, ela não pregou os olhos. Olhos tristes, olheira rocha de tanto chorar. Desespero. Vem um médico, aconselha a mulher a voltar pra casa. “Tenha paciência senhora, seu filho está sendo bem tratado”. Toma um calmante e sai do hospital. Um dois ônibus. Uma. Duas horas.
Em casa chora, grita, telefona e, vencida pelo cansaço, dorme. Acorda, em pouco tempo a tarde se acaba. De novo no hospital e “tenha paciência senhora, seu filho está sendo bem tratado” não dizem onde ele está, seu estado, não dizem nada. É aconselhada a voltar para a casa, não pode haver visitas.
Cinco da manhã ela acorda, se arruma e vai para o hospital, chega perto das oito, pergunta do filho e o médico diz que o corpo se encontra no IML, fala que tudo será explicado.

(...)

O Zumbi que um dia foi uma mãe de família se encaminha ao local. Lá é dito que ele não foi atendido, ficou em uma maca, em um corredor, que o corte infeccionou por falta de cuidados. “Tenha paciência senhora, seu filho está sendo bem tratado”. Ela reconhece o corpo, perna inchada, azul. Possibilidades são dadas, existem muitas formas de se conduzir com o corpo. Ela não tem dinheiro.


Perna 11/04/2011